terça-feira, 11 de outubro de 2011

O Despertar - Capítulo I – Divagações Tardias...


Quem poderá repreender aquele que vivendo no seu século, recrudesceu em seu coração os preconceitos de sua época e recaiu nos mesmos desmandos, aos quais norteou a sua educação, a sua formação e as inclinações de sua alma, quem poderá fustigar com o látego da moral, da justiça e da filosofia quem jamais encontrou em lugar algum esses nobres sentimentos, assim como a natureza não requererá de uma semente relegada a terra árida, frutos doces e saborosos.
Todos estes argumentos persuasivos, porém superficiais, na minha juventude e maturidade foram suficientes para aplacar o fulgor da minha consciência que em vão tentava despertar em mim o remorso e mudança de hábitos, e essa névoa de desculpismo e comodismo de tal modo me inebriou que os anos passaram tão céleres, que a velhice pareceu chegar logo após a maioridade, a vida é tão fugaz como a primavera, mal nos acostumamos com a estação da festividade, nos é imposto o rigoroso inverno de tristezas e saudades...
Entretanto quando essa peremptória e intransigente sentença de morte a curtíssimo prazo, determinou o tempo que andarei sobre essa terra, modifiquei minhas opiniões e pude com maior clareza ver as minhas falhas e sobretudo confessar os meus pecados, agora que as convenções do mundo, as paixões e as opiniões alheias não influem sobre mim, agora que despojado dos baixos interesses e das ambições desse mundo, pois o deixarei irremissivelmente, pode extravasar a minha alma com toda a nódoa e maus vestígios que adquiri ao longo de sessenta anos de existência, não temo a morte, pois ela é inevitável e nos alcançará quer queiramos ou não, e nunca fui inclinado a superstições e temores, o que me aflige é ter ferido implacavelmente corações bondosos, decepcionado aqueles que me amavam, iludido pessoas inocentes, e arrastado para o abismo aqueles que se assemelharam a mim, e agora, doente, alquebrado, com a mente flamejando de remorsos, nada posso fazer além da incomum proposta que me incubi, a de desnudar os meus sentimentos, descrever as minhas falhas e mostrar a triste saga deste que ontem teve a oportunidade de tomar o bom caminho, entretanto deixou os doces sentimentos, por vícios inenarráveis, se engana o leitor que imagina que essa confissão é uma espécie de recomendação para que outros não venham degringolar na mesma senda que embaracei o meu destino, os bons conselhos não impedem as más ações de uma alma abrasada pelas paixões, assim o foi comigo e assim o é com todos.. um passo nesse caminho, e não há mais retorno... o meu objetivo é buscar uma catarse para que nestes últimos instantes de vida eu possa desfrutar do pouco lenitivo destinado a uma alma culposa e consternada, talvez não seja nada, mas é o único recurso que a vida me deixou, já que todo o vigor esvaiu de minhas veias, que comecemos então e verão as desditas mais cruéis e o destino inexorável que assolou os meus dias...


Rômulo Chaves

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

A Lagoa




Sofremos de uma doença curável,
e, nascidos para o bem, somos ajudados
pela natureza em nos querendo corrigir.
                                                     Sêneca



O contato com vossas margens verdejantes,
Traz-nos regozijo sublime.
Vossas calmas águas espelham,
A beatitude do éter...
Invejo as aves que vêm a ti,
E do alto podem contemplar,
A tua finitude alvissareira!
E se inebriarem com o teu frescor.
A coloração das árvores que lhes cerca,
São de cores amenas...
Que até as almas embrutecidas,
Enternecem-se ao vê-las.
Diante de ti...
Incontáveis jovens juras de amor eterno fizeram...
Incontáveis adultos, os pensamentos conturbados amainaram...
E incontáveis idosos, com os olhos marejados...
Da cândida infância recordaram.
O suave zéfiro que beija a fronte,
Dos eleitos a sua contemplação...
Leva consigo suas mágoas, angústias e desilusões.
Ah! Pudessem os homens compreender,
Os louvores que os pássaros...
Entoam sobre ti, lançando-os ao infinito.
De vossas margens não mais se afastariam...
Pelos caminhos escusos não se enveredariam.
E quando a meiga chuva,
Rega-lhe a face...
Aí então é que a vida em ti,
Resplandece em explêndidas nuanças.
Esta paz que sentimos perante vós...
Nem Alexandre, o grande conquistou.
Nem Napoleão Bonaparte, se apoderou.
Porquanto ela não se adquire,
Pelas conquistas funestas...
Mas, com a aquisição,
De valores que elevam a alma
E enaltecem o ser.
Sem essa nódoa que deslustra o espírito,
Que os licenciosos denominam enquanto deleite
E os sábios devassidão...
Pois o que é efêmero o faceiro vento leva...
Todavia, o que é eterno cravado no solo fica.
E quando das mazelas fugidias desvencilhares,
E como o condor, nas alturas chegares.
Planando sobre as cousas diminutas...
Aí então poderás contemplar o que há...
De mais belo e majestoso,
Que a vida nos pode ofertar.
E então embevecido de ternura imorredoura...
Começarás a compreender os preceitos edificantes,
Do nobre Nazareno...
Que nasceu na singela manjedoura...
Ao lado dos ruídos dos animais.
Que nos montes subiu...
Para espargir sobre a terra,
Etéreos ensinamentos.
Que se tornou mestre sem se diplomar,
E nos ensinou a amar e perdoar...
Que pedaço de chão algum açambarcou,
Nem mesmo uma moeda no bolso conservou.
Que montou num vulgar burrinho,
Para os homens saudar...
Que de olhar sereno cumpriu as profecias.
Para que todos pudessem ser agraciados,
Com o advento do Messias.
Que foi imolado na cruz,
E no mundo acendeu a luz...
Que vivenciou e apregoou o amor e a caridade,
E assim tornou-se o rei de toda a humanidade.

Rômulo Chaves

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Soneto da Saudade...


De tanto amar...
Encontra-se o poeta consternado
As vagas estouram no mar!
Enquanto cortina espessa encobre-lhe o passado

A ingênua felicidade de dantes
Torna-se apenas breve lembrança
Não se engane os álacres amantes
Porém o estigma da Fé é a esperança

Que amaina o peito que arde
E seca a lágrima furtiva
Que verte sem que ninguém a veja

A dor confunde-se com saudade
Mas não tarda em mente altiva
Que não teme a vida e sempre peleja

 Rômulo Chaves

Soneto...


Outra vez o peito em chamas...
Quando ingênuo olhar se depara
Com imagem empírea que devera amas
O coração em pugna inaudita se prepara

A Fortuna jamais do poeta oscula a face
Nem tampouco o travesso infante favorece-lhe a sorte
Oh! Fado inglório erguer no peito a ti um altar e um mausoléu de morte
Ver teus olhos tão negros, tão luzidios, tão lindos afastar-se

Ao léu o esgar da lubricidade grassa
Infrene lascívia desdoura a alma gentil
Despedaça sonhos e chafurda o rosto antes arroseado

Assim na minha melancolia ergo o punho varonil
Arvoreço o ânimo e deploro o Arlequim estulto
Melhor o peito arder em sua memória, que nunca ter amado.

Rômulo Chaves

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Balada

Diz a prudência para esquecer-te
Quebrar os liames da fantasia
Como se pudesse apagar no coração a memória
E suprimir os suspiros na poesia

A paixão abrasadora requeima furiosa
Doudo olhar relampeja ensandecido
Não encontrando ressonância no amor apetecido
Volve o olhar ao léu e satisfaz a paixão danosa

O amor apenas amando o ser amado se consubstancia
Apenas dividindo-se no infinito, cresce na eternidade
Esquecer-te seria a prova de nunca a ter amado
E não a  amaria se seus olhos, jamais houvesse encontrado.

Rômulo Chaves...

domingo, 31 de julho de 2011

Ocaso


Que manto cinza e lúgubre
Vestem as coisas belas
Em se afastando sua beleza insigne
Da natureza imperiosa...

O rouxinol roufenha
As arvores fenecem
As flores murcham
O riacho empesta, o vento enfurece

As vagas esbatem-se furiosas
No granito álgido.
O bem supremo, desvirtua-se funesto
Não tendo a rainha dos encantos

Que equilibra as estações e a vida
Rege a bonança e sustém a sabedoria...
Toca, oh bardo! A sua lira dolorosa
Verte o aljôfar lânguido e premente
Palpita-lhe o peito opresso
Cortando a imensidão os seus ais.

                             Rômulo Chaves


sábado, 30 de julho de 2011

O que Realmente Importa...

¨Quantos vícios reais são muitas vezes
ocultados por virtudes aparentes¨
J.J Rousseau

O que realmente importa não é o caminho que percorres, mas aonde quer chegar, pois o objetivo nobre faz-nos forte, torna o nosso passo resoluto, e nossas atitudes idôneas, enquanto a incerteza e a dúvida podem nos levar a tirania...
O que realmente importa não é cruzar os oceanos e ver as mais belas paragens e estações, o que realmente importa é atravessar a rua e encontrar um sorriso sincero e acolhedor, pois por mais longa que a estrada seja um dia ela acaba, mas a fraternidade, jamais.
O que realmente importa não é ser rico, porque isso não podemos determinar, mas o que você faz da riqueza, pois isso demonstra quem és, e se a vida lhe colocou nesta situação, quantos corações fizeste feliz com a riqueza confiada a ti, quantas lágrimas secou, quantos desesperados asserenou, quantos doentes soergueu, quantas crianças impediu a brutalização pelo crime, quantos idosos amparou, quantas jovens não permitiu que adentrassem na prostituição... Pois os cofres por mais cheios que estejam e por mais invioláveis que pareçam, permanecerão nos bancos, mas a caridade segue seu dono onde quer que ele esteja perpetuando em si a felicidade.
O que realmente importa não é o quão facilmente você diz que ama uma pessoa, mas se realmente ages assim, porque a boca às vezes fala o que ordena o interesse, mas a atitude vem do coração.
O que realmente importa não é quão grande foram os seus sofrimentos durante a vida, mas o que você aprendeu com eles, porque a nossa felicidade é maior ou menor segundo o modo que nos comportamos diante das circunstâncias que não conseguimos mudar nem mesmo evitar, e se triunfar um revés é difícil, mais ainda é ser sereno diante dele.
O que realmente importa não é a religião que segues, mas que tenhas uma, e seja sincero devoto, pois caminhos há vários, mas a moral é uma só, e não crê numa doutrina sã aqueles que ao invés de reunir as suas forças para ser uma pessoa louvável, as desperdiça em depreciar, criticar e rebaixar os outros.
O que realmente importa não é se és negro, branco, vermelho ou amarelo, se nasceste na América Latina, na Europa ou na Ásia, pois tudo isso passa...o que realmente importa é o que conservas em seu coração, por que isso é o vestígio da eternidade em cada um de nós.
O que realmente importa não é se os outros lhe respeitam, pois isto certos cargos impõe, o que realmente importa é se você respeita os outros, porque toda virtude é uma escolha pessoal, e ser nobre é mais difícil que ser chefe, pois é fácil mandar nos outros, difícil é domar as próprias paixões.
O que realmente importa não é se és homem ou mulher, mas que enfrente com dignidade e intrepidez suas dores e responsabilidades, que sejas honesto, trabalhador, sincero e amável, pois a única perspectiva do futuro que temos é o que somos hoje, e não há quadro mais desolador do que uma geração corrompida e entregue aos vícios.
O que realmente importa não é o quão forte o destino lhe afligiu, mas se tens a humildade e a força intima, para reerguer-se, para recomeçar e para trilhar novos caminhos, pois tudo o que nos rodeia é transitório e efêmero, apenas nos pertence aquilo que somos, porque não pode nos ser subtraído em momento algum...
O que realmente importa enfim é o que a mais das vezes deixamos de lado por fantasias e superficialidades que além de enfadar os nossos sentidos, consternam a nossa alma...
A felicidade é como a nascente que corre na encosta de uma montanha; tão cristalina, tão simples e tão ignorada...

                                                                                                                                   Rômulo Chaves

Um lugar além de nossos Sonhos...

O homem não é apenas um ser pensante, mas também alguém que sente.
Ele é um todo, uma unidade de forças múltiplas intimamente associadas.
A obra de arte deve falar a este todo, corresponder a essa rica unidade,
a essa multiplicidade que nele existe. ( Goethe )

Há certamente momentos em que nosso espírito anseia por encontrar um lugar, uma paragem, um refúgio enfim, onde possa acalentar as suas angustias, reconfortar as suas decepções e balsamizar o seu desalento, principalmente num século como o nosso, em que os bons costumes, os bons valores estão corrompidos terrivelmente, e os bons sentimentos são atraiçoados por alegrias fortes ou fantasias descabidas, esses abalos internos, essas convulsões furiosas são ainda mais contundentes, e tem repercussão e efeitos ainda mais danosos nas almas sensíveis.
Os clamores por uma sociedade justa, por direitos elementares invioláveis e por um sistema democrático plausível são asfixiados por interesses corriqueiros, pessoais e por assim dizer... Baixos. Nada de novo abaixo do sol, além da pertinaz e vã vaidade humana... O povo esfaimado procura alimento num latão de lixo e encontra apenas um livro de Platão, pois que o homem moderno não precisa educar a sua alma, tão somente regalar o seu corpo.
Entretanto quando grandes catástrofes assolam, vergastam-nos impiedosamente, quando nos vemos diante de nossa própria pequenez e vulnerabilidade, quando vimos as Torres Gêmeas caírem, a guerra desumana no Afeganistão, a força destruidora do Tsunami, a vertiginosa velocidade trágica da gripe A, e as bárbaras atrocidades em nossa sociedade civil, repensamos nossos valores, reavaliamos as nossas diretrizes e sobretudo, tememos por nosso destino vivendo nossa vida, ou melhor discorrendo celeremente nossos dias ao sabor do imediatismo e das frivolidades, então volvemos nosso olhar e reavivamos a nossa atenção aos grandes gênios, eis então diante de nós: Shakespeare, Aristóteles, Shiller, Davinci, Victor Hugo, Cervantes, Walter Scott, Rousseau, Homero, Virgilio, que recolocam-nos nos benévolos caminhos, os quais abandonamos por ingenuidade, pois que a cultura, a arte e o belo são os únicos licores celestes que perpetuam a serenidade em nosso espírito, é o único facho de luz que esbate as trevas da ignorância e da perturbação, causadoras dos intrincados problemas psicológicos de nossos tempos, e é preciso cercar o gênero humano de luzes, de livros, de conhecimento, de poesia, de filosofia, para que ele não se perca na neblina espessa, insinuante e perigosa do desespero.
Certa vez alguns imprudentes disseram, ¨A arte pela arte¨... De modo algum, proclamemos em uníssono e em bom tom batendo em nossos peitos: ¨A arte para o progresso¨, a ¨A arte para o povo¨ , pois apenas assim encontraremos o lugar que tanto almejamos, aquele lugar além de nossos sonhos...

                                                                                                                              Rômulo Chaves